Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil
Tecnologia e pesquisa genética ajudam produção de café no Brasil Nesta semana, o Jornal Nacional está apresentando uma série de reportagens sobre a produ...

Tecnologia e pesquisa genética ajudam produção de café no Brasil Nesta semana, o Jornal Nacional está apresentando uma série de reportagens sobre a produção de alimentos em tempos de mudanças climáticas. Nesta quarta-feira (8), você vai ver como o regime de chuvas e o aumento da temperatura têm prejudicado as safras de café nos últimos anos. Mas a resposta dos produtores e dos pesquisadores a essas dificuldades tem sido a pesquisa genética. LEIA TAMBÉM Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas Conheça técnicas inovadoras que diminuem o impacto ambiental da produção de carne Piatã, Bahia. Dois de janeiro. A seca de 2024 trouxe um efeito inesperado: um incêndio bem quando a chuva já deveria ter afastado esse risco. Durante a noite, a cidade assiste ao rastro de destruição das chamas. Pela manhã, Moacir checa as plantas esturricadas no caminho que o fogo fez no seu cafezal. “Isso aqui é a nossa safra. Infelizmente perdeu, queimou tudo. Perdemos um café de qualidade, o ganha-pão da gente”, conta Moacir. Interior de São Paulo, julho de 2025. Lá, cafezais também foram queimados, de um jeito diferente. “Olha só como ficam as folhas pós-geada. É como se tivesse sido fogo mesmo”, mostra o repórter Tiago Eltz. Geadas não são novidade na história de 138 anos de uma fazenda em Serra Negra. Mas uma sequência de anos ruins levou a um quase colapso de uma das áreas. Natalia Luglio, cafeicultora: Essa área aqui a gente tinha uma expectativa de 50 sacas e a gente colheu 3,9 sacas. Tudo isso aqui era para estar cheio de café. Tiago Eltz, repórter: Era para estar da sua altura de café? Natalia Luglio: Exatamente. Repórter: Hoje tem esse cantinho aqui. O vazio de lá refletiu nas prateleiras dos supermercados, no seu bolso. O clima dificultou a produção no mundo e levou os preços às alturas. “Foi um ano de tristeza. E as contas, a gente já pagou, só que o retorno financeiro que era para vir agora não vem mais”, afirma Natalia Luglio. Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil Jornal Nacional/ Reprodução Mas calma, isso não é o fim. Essa não é uma história de desistência, é uma história de agricultura. Repórter: Você está aumentando a área de café aqui? Natalia Luglio: Eu estou aumentando. O cafezal vai passar a ser irrigado. Novas variedades, mais resistentes à seca, estão chegando. Árvores já começaram a ser plantadas no meio da lavoura. “Não vai dar mais para produzir café do jeito que a gente sempre produziu. A temperatura não é mais a mesma, e a gente está se antecipando porque imagina que vai ficar pior daqui a alguns anos nessa questão das mudanças climáticas. A cafeicultura vai tomar um novo rumo que vai fazer ela continuar existindo por muitos anos”, diz Natalia Luglio. Novo rumo pode significar novos endereços? Cacoal, Rondônia. Agosto de 2025. O café mais produtivo do Brasil é desconhecido de boa parte dos brasileiros: o café robusta. Repórter: Isso aqui é muito café, cara. Juan Travain de Souza, cafeicultor: É robusto, né? É bastante café. O grão parece idêntico ao arábica, o café que todo mundo conhece. Mas quase tudo no cultivo é diferente. Repórter: Isso aqui, para quem está acostumado só com café arábica, é meio assustador de ver logo no começo, porque ele está cortando os galhos da planta. Juan Travain de Souza: Nós precisamos podar essas ramas que já produziram até 50% para que a planta tenha o estímulo para soltar mais copa para produção do próximo ano. Repórter: O normal no arábica é: ou ele vem e puxa isso aqui, sai puxando tudo e colhe. Ou, se for bem específico, selecionando, em uma colheita seletiva ele vai tirando de grão em grão. Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil Jornal Nacional/ Reprodução Nos últimos 25 anos, a pesquisa genética e os altos investimentos em tecnologia fizeram a produção do robusta amazônico saltar de dez sacas por hectare para 68. Quase três vezes a média da produção de arábica no país. Na propriedade do cafeicultor Juan Travain de Souza, com drones e irrigação computadorizada, os números são ainda mais impressionantes. “A gente, hoje, consegue uma produção nesse espaçamento em torno de 170 sacas por hectare”, conta Juan. Historicamente, o café robusta sempre foi mais barato que o arábica. Mas, em 2024, a escassez fez o preço subir e transformou a vida do cafeicultor Fred Dellarmelino. Fredson Dellarmelino, cafeicultor: Toda essa estrutura - caminhão, máquina, secador - foi 2024, agora com o preço do café. Repórter: Está brincando? Então, você encheu o galpão inteiro com café... Fredson Dellarmelino: Aproveitemos a oportunidade. A chance apareceu e não perdi não, peguei ela com as duas mãos. Repórter: Mas isso porque o preço do café estava incrível. Fredson Dellarmelino: Ajudou muito. Para você ver, quando eu colhi estava de R$ 800, R$ 900. Foi parar em R$ 2 mil. E pensar que depois de tudo isso, a gente ainda nem falou do que nos trouxe aqui. Viemos para investigar essa hipótese: "O robusta tolera calor, é extremamente produtivo e é resistente a pragas e doenças importantes. Se nós tivermos um avanço dessas mudanças climáticas, talvez a garantia de que não nos falte café - e café com qualidade - no futuro esteja justamente nos cafés robustas”, afirma o pesquisador da Embrapa Enrique Alves. Mas para salvar o café, não dá para pôr em risco a Amazônia. E o que produtores e pesquisadores afirmam é que dá para fazer o contrário. O café ocupa menos de 1% das matas de Rondônia. Região que tem quase metade de seu território desmatado, coberto com pastagens. De acordo com as contas da Embrapa, se apenas 25% dos pastos degradados forem convertidos em cafezais de robusta, sem avançar nem um centímetro na floresta, Rondônia passaria o Vietnã e se tornaria o maior produtor mundial dessa variedade de café. “Se você ocupar essas áreas degradadas, por exemplo, você está entrando com uma agricultura e recuperando elas. Então, você está acrescentando mais carbono nessa área. Então, ela está sendo mais sustentável. Talvez no Brasil e no mundo, acho que é a única região que tem tantas condições de se expandir o café: áreas planas e áreas ainda degradadas para ocupar com o café", afirma o pesquisador da Embrapa Carlos Cesar Ronquim. E o café é uma alternativa muito melhor - financeira e ambientalmente. “Teria um impacto social e de geração de renda imenso. Você precisa garantir qualidade de vida de quem vive na região amazônica se você quer ter preservação ambiental”, diz o pesquisador da Embrapa Enrique Alves. Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil Jornal Nacional/ Reprodução O robusta sempre foi meio escondido nos produtos, considerado um café sem qualidade. Algo que Rondônia vem tentando mudar. Repórter: É diferente de tudo que eu já tomei de café. Eu acho que esse robusta, a gente não pode nem fazer a comparação com o arábica. Ele é outra bebida. Ou estou enganado? Enrique Alves: É como se você estivesse comparando vinho branco e vinho tinto. Os dois têm seu padrão de qualidade, os dois são agradáveis e têm seu público e momento definido. 70% do café produzido no país é arábica. Não há expectativa de uma competição ou de que o robusta tire lugar dos mais desejados, consumidos e valorizados cafés do Brasil e do mundo. Mas o robusta vem encontrando seu espaço. Os cuidados na produção, na colheita e no processamento deram a qualidade que faltava para ele brilhar. E, nesse quesito, nada foi mais impactante até agora do que o café produzido na Terra Indígena Sete de Setembro. Em uma competição em 2024, dois jurados deram nota 100 para ele. Consideraram o café do meio da floresta selvagem um café perfeito. “Mudou a vida. O que eu vi que mudou, para jovem, principalmente o jovem, porque ele queria morar na cidade, querer emprego. Hoje em dia, não. Ele quer trabalhar para aldeia, ele quer ser autônomo. Quer trabalhar café”, conta o cafeicultor cacique Rafael Mopimop Suruí. Algo que todo mundo está querendo replicar. “O que a gente quer fazer? Compreender essa relação entre ambiente e o café, principalmente nessas áreas onde é tudo muito mais preservado, para depois tentar replicar nas áreas tradicionais de produção”, diz Enrique Alves. Entender, melhorar, reproduzir. O resumo da pesquisa científica brasileira na agricultura conecta Rondônia com um outro canto do país: Instituto Agronômico de Campinas. A data? Pode por aí: passado e futuro da cafeicultura brasileira. “Dessa coleção aqui, foi bastante coisa para Rondônia, entre 76 e 90, mais ou menos", conta o pesquisador do IAC Oliveiro Guerreiro Filho. Plantas do IAC foram levadas e trabalhadas pela Embrapa na Amazônia e, bom, o resto agora você já sabe. Na década de 1950, eles já haviam criado a variedade de arábica que aumentou a produção brasileira em 240%. E seguem inovando para garantir que ele nunca falte nas nossas xícaras. “A gente insere genes de resistência a pragas, doenças, faz variedades com tolerância à seca. Muda uma série de características que têm importância para a cafeicultura”, explica Oliveiro Guerreiro Filho. Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil Jornal Nacional/ Reprodução O segredo do IAC está espalhado por centenas de variedades de café que às vezes nem café parecem. Um punhado de diversidade: cada frutinho desses é de uma espécie diferente de café. Plantas que vieram de diversos países formaram um tesouro inestimável que pode nos levar pelos desafios de um mundo em transformação. “É só explorando a diversidade que você tem chance de encontrar alguma coisa que te sirva”, afirma Oliveiro Guerreiro Filho. Não dá para afirmar ainda como a produção de café vai ser no futuro. Mas dá para afirmar que o Brasil tem a terra, as plantas, os técnicos, cientistas, tem os agricultores para construir esse futuro. Nesta quinta-feira (9), o último episódio da série vai mostrar a produção de cacau e outras frutas no sistema de agrofloresta.